segunda-feira, 16 de maio de 2016

Arte e Expressão no Universo da Banda Desenhada Franco-Belga

Por João Marcus
 
 
A Banda Desenhada Franco-Belga tem esta denominação por se tratar de obras desenvolvidas por autores belgas e franceses.
Infelizmente no Brasil este estilo de Arte é pouco difundido, começando pelo nome "história em quadrinhos" que sugere a uma coisa pejorativa destinada para crianças. Pelo contrário, a Banda Desenhada ao longo de sua rica história demonstra ser uma Arte destinada para um público mais adulto e bastante seletivo. As editoras brasileiras não tem muito interesse em publicar suas histórias por questões que não sabemos. Por aqui só encontramos albuns de Tintin, Axterix e Luchy Luke em acabamentos bastante modestos.
A Banda Desenhada Franco-belga possui muito mais histórias e personagens do que os citados, será propósito do site abordar estas obras primas tão pouco conhecidas no Brasil.


Origem e Estilo


Na Europa quando falamos de Banda Desenhada (BD), logo vem ao pensamento a Bélgica como percursora da Nona Arte no antigo continente. A produção de BD dos autores e desenhistas belgas é de longa tradição, encantando o mundo até os dias de hoje. Fato que influenciou muitos artistas franceses a seguirem a mesma linha de estilo. 
O termo Banda Desenhada, “Bandes Dessinées”, foi criado por estes artistas objetivando distinguir seu estilo, que é muito diferente dos comics americanos, as histórias em quadrinhos brasileiras entre outros, no qual, consideramos duas distinções principais entre a escola de artistas franco-belga e os demais citados.
O primeiro é o estilo do desenho e cores,  denominado Linha Clara, tendo como percursor Hergé , o criador do mais famoso personagem de BD europeia, Tintin.
O estilo da Linha Clara foi adotado por Hergé a partir de 1929 com a primeira aventura de Tintin publicada como tiras semanais no jornal belga “Le XX Siécle”.
Ela consiste em desenhos de traços simples e espessura regular, inspirado nas artes expressionistas que estavam proliferando nos meados dos anos de 1920 em diante, como podemos observar no desenho abaixo publicado no álbum Tintin na América.





O segundo aspecto consiste na extensa pesquisa realizada pelos autores franco-belgas, que permite detalhar em seus enredos histórias de aventuras mescladas com perspectivas urbanísticas, sociais e econômicas do mundo contemporâneo.
É de um nível de excelência muito elevado a exatidão dos desenhos que englobam locais, automóveis, aviões ou mesmo personagens com o mundo real. 

Tibet e A.P. Duchateau (Ric Hochet)



Por estes dois motivos, ao longo de sua rica história a BD franco-belga demonstrou ser uma Arte destinada para um público jovem e adulto, porém bastante seletivo. Neste contexto, faço uma pequena comparação de seu estilo narrativo com a série Jornadas nas Estrelas de Gene Roodenberry , na qual seu criador procurava abranger em seus roteiros contextos sociais que eram transpostos para outas galáxias.


Evolução

As décadas de 1930 e 40 foram bastante conturbadas no contexto mundial, o pensamento capitalista predominante, ainda embasado  pela doutrina da “mão invisível” como reguladora da economia cai por terra com a crise de 1929, transpondo para uma crise econômica mundial. Por outro lado, o antigo continente houvera sido o principal palco da primeira grande guerra, 1914-1919, e ainda estava recolhendo os cacos na década de 1930, olhando para um futuro sombrio que estava no ar com a ascensão do fascismo/nazismo predominado por Alemanha e Itália, e a guerra civil espanhola iniciada em 1936.   

Com este cenário conflituoso de cerceamento da individualidade, do coletivo e das ideias, devemos fazer um esforço em nossa imaginação de como eram os sentimentos e pensamentos no mundo europeu naquele período.

No mundo da BD franco-belga, podemos considerar que todas estas sensações de incertezas e medos passados e futuros estavam no pensamento diário dos futuros artistas. 

A BD franco-belga toma um impulso importante a partir dos anos de 1940, embora no contexto de uma Europa em guerra, 1939-1945, e, pós guerra que começava a iniciar sua reconstrução física e emocional.

No contexto do universo da BD, podemos distinguir três momentos importantes.

A primeira delas é a colorização dos primeiros álbuns de Tintin, até então os mesmos eram em preto e branco.
Em um segundo instante, em 1944, Hergé conhece o belga Edgar Pierre Jacobs no qual fazem uma grande amizade. O pai de Tintin acaba convidando Jacobs para ajuda-lo na colorização dos álbuns de Tintin. 
 

1- Ilustração – Stanislas (1999)

A parceria entre os dois amigos  possibilitou uma sinergia bastante criativa que durou dois anos. Por um lado, Hergé passou a contar com um ótimo colaborador, e por outro, Jacobs inicia seus passos na criação de um estilo próprio de Linha Clara, tornando-se um dos mais importantes artistas da BD criando os personagens Blake e Mortimer em 1946, que são sucesso até hoje.
 
Capa da terceira aventura de Blake e Mortimer


O terceiro movimento importante aconteceu em 26 de setembro de 1946 com o lançamento da Revista Tintin. 
Tratava-se de uma revista semanal cujo objetivo era publicar histórias de Tintin como “carro chefe”, permitindo a outros novos autores que estavam surgindo no cenário belga e francês um campo extraordinário para demonstrarem seus trabalhos.   O semanário consistia na publicação de cada história em formato seriado de duas ou três páginas por cada exemplar, além de artigos sobre os temas propostos. O sucesso da Revista Tintin tornou-se um marco divisório na BD, ao dar vida a criação artística. A revista belga permaneceu ativa até 1988.
Em Portugal, a Revista Tintin foi inaugurada em 1968 “constituindo um marco histórico no panorama português das publicações periódicas de banda desenhada”, ver (www.tralhavarias.blogspot.com.br).


Revista Tintin n° 1
Edição portuguesa


No Brasil a revista foi publicada em 1968 pela editora Bruguera (ligada à Cedibra), mas infelizmente ela durou apenas seis meses, enquanto que em Portugal durou quase 15 anos...
“Essa história nós brasileiros colecionadores conhecemos muito bem, lança-se um produto com data de validade indefinida por falta de conhecimento de nossos editores sobre o mercado etc, e um dia qualquer deixa-se de circular sem maiores explicações. Quem sabe Columbo descubra os motivos e nos dê a resposta um dia”.
Graças a Revista Tintin belga, vários artistas foram conquistando seu espaço como: Albert Uderzo e René Goscinny (Asterix, 1959), Edgar Pierre Jacobs (Blake e Mortimer, 1946), Jackes Martins (Alix, 1948 e Lefranc, 1952), Bob de Moor (Barelli), Tibet e A.P. Duchateau (Ric Hochet, 1955) entre muitos outros.

Capa de álbuns



Novas gerações de artistas da BD

As décadas de 1980 e 1990 apresenta uma nova geração de artistas franco-belgas que dão continuidade aos ideais da BD iniciados por Hergé e seus seguidores. A qualidade de seus trabalhos estão nos mesmos níveis dos artistas clássicos que surgiram na década de 1950 em diante, com contribuições de uma importância inestimável para as novas gerações de colecionadores e fãs da BD franco-belga. Podemos citar como exemplos, Jean Van Hamme e Yves Sente (Thorgal, XIII e sequência de Blake e Mortimer), André Juillard (Arno, Mezek e sequência de Blake e Mortimer), Vittorio Giardino (As aventuras de Max Fridman e Jonas Flink), entre outros.
Capa de álbuns


Os enredos apresentados por estes artistas estão calcados principalmente em temas com maior discussão social e política, debatendo questões sobre guerras, fascismo, poder econômico, bem como novas inovações tecnológicas etc.

A magia destas obras está na forma em que souberam colocar estes assuntos como “pano de fundo”, tornado assim, grandes histórias de entretenimento com conteúdo.

Destacamos Jacques Tardi, cujos trabalhos possuem uma forte crítica sociológica do mundo contemporâneo, podendo citar alguns de seus trabalhos:

Adéle Blanke (1976), Era a guerra das Trincheiras (1993), Puta Guerra (2008), O Grito do Povo (2001-2004), Nestor Bruma baseado nos livros de Léo Malet  (1982-200), entre muitas outras produções.

Obra de Tardi




Considerações Finais

O propósito do texto apresentado procurou fazer uma abordagem sobre a história da BD franco-belga e alguns de seus principais artistas. Por ser um tema muito rico, ficaram de fora detalhes ou artistas.  Desta forma, pela complexidade do assunto e sua importância,  estamos abertos a contribuições de todos vocês leitores.
Os próximos textos procurarão enfocar os Artistas e seus personagens, começando por Tintin.



Referencias Bibliográficas


FARR, Michael. “Tintin, o sonho e a realidade.”
PT, Difusão Verbo, 2001.

Bocquet, Fromental (textes) & Stanislas (dessins).
Les Aventures d’Hergé.
Paris, Éd. Reporter, 1999, 56 p.

Revista Tintin-1968/82

RIVIÉRE, François. “Trajetórias e labirintos do medo na obra de Jacobs.  Texto extraído da Revista Tintin.
PT

Sitio Tralhas Várias – 
www.tralhasvarias.blogspot.com.br

Sitio Las Aventuras de Blake e Mortimer –Autor: Miguel Frognier
www. blake-y-mortimer.frognier.es

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